domingo, 13 de maio de 2012

Negra Livre

Esses dias, conversando com minha família, revivemos algumas fases da minha infância até hoje, mais especificamente, minhas “fases capilares”. Em meio a tantas lembranças, percebi quantas vezes tentei modificar meu cabelo, simplesmente por vergonha, por não me achar bonita com ele natural, enrolado e com a raiz crespinha. Naquele momento me entristeci, mas vi que não foi culpa minha, mas sim porque na época da minha infância e adolescência o meu tipo de cabelo não era valorizado e, mais do que isso, era motivo de chacota. Missão impossível era chegar à escola com um cabelo "black" assumido, com os cachos soltos e armados, sem ser alvo de piada ou de olhares tortos, que julgavam aquilo como “exótico", entre outros eufemismos. Era tanto medo! Eu prendia, passava meio pote de creme, gel e escovava até parecer minimamente esticado. Um “frizz” já era morte para mim. Lembro que por volta dos 7 ou 8 anos usava um chapéu diariamente para esconder meu cabelo. Com 12 anos o alisei e foi uma das experiências mais difíceis da minha vida. Aqueles procedimentos eram um “estupro” capilar e, quando me olhava no espelho, não me reconhecia, não me identificava. Era apenas uma tentativa de me adaptar.


Desistir do cabelo liso foi uma primeira quebra de corrente. Trouxe de volta minhas tranças, colori meu cabelo, me colori. Depois de um tempo fui tomando consciência de quem eu era e o que meu cabelo simbolizava para uma menina negra de classe média, estudando em um colégio particular de maioria branca. Por que tanta negação a mim? Fui percebendo que não era apenas uma questão de estética. Por que não querer parecer com meu pai, minha avó e meus antepassados? Foi tanto suor e lágrimas para que eu pudesse ser quem sou hoje, então por que não preservar suas identidades, reescritas no meu corpo? Senti que era o mínimo a se fazer.

Não tenho problemas com quem alisa seus cabelos, todos tem liberdade de escolha, mas confesso que sempre me pergunto: porque se submeter a tanta violência? Tantas horas sentada, puxões e consequentes dores de cabeça, química, calor, cheiro forte e um stress infinito. É muita vontade de negar suas raízes (literalmente).

Me olhei hoje no espelho e vi: sou negra. Meu nariz, minha cor, meus traços, meu nome, meu cabelo... e isso é tão lindo! Meu cabelo conta histórias que não são só minhas, mas também daqueles que viveram antes de mim, que lutaram, que suaram, sangraram e morreram para que eu estivesse aqui. Quero continuar a contar essas histórias não através de palavras, mas soltando minhas madeixas e sentindo orgulho delas e de tudo que representam.

Hoje, dia 13 de maio, um dia tão simbólico para nós, posso assumir e refazer a liberdade que me foi dada há 124 anos. Finalmente posso e quero me sentir NEGRA LIVRE.

Por Negra Maria Gomes


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Ps.: Aproveito pra indicar esse texto que também falou muito comigo sobre o mesmo tema,
‎"Respeitem meus cabelos crespos", por Fabiana Mascarenhas.

9 comentários:

  1. Negra Maria , que bom assumir o que vc é e o que vc tem , em tão tenra idade(para mim vc não " cresce' ), vejo e conheço pessoas que já estão chegando no " final da linha" e AINDA não se descobriram... È difícil assumir o que vc não tem a menor idéia é , fico FELIZ por vc e pela diferença que faz em sua geração, bjs!!!

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  2. Linda, lindo texto. Me identifo com muitas de suas palavras e gostaria de partilhar que no dia 13 de Maio de 2006, libertei-me do cabelo de relaxamento e cortei balckzinho, bem pequenininho e dexei-o então crescer, lindo, forte e enrolado como até hoje. Me senti mais eu, mais livre e mais bonita, pois quando nos sentimos bem com o que somos por dentro e fora, todos ao nosso redor percebem a beleza que vem de dentro, vem do que se verdadeiramente, se é. Orgulho de ser sua amiga e de ser negra também.

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  3. Caramba, que texto! Realmente isso foi uma realidade pra todos nós na infância. Meninas alisando o cabelo, meninos raspando ou até alisando também. Coisa que nós nem notávamos, mas eramos escravos do que falaram pra gente que era legal. Hoje em dia me sinto muito original com meu black power, e a verdade é que os valores estão se invertendo, pra melhor. "Criolo" agora tá na moda..rs
    Parabéns Negra Maria, pelo nome, pelo namorado que é muito parça e pelo texto. Muita paz pra vida!

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  4. Que LINDO, Negra! :)

    Parabéns pela coragem!

    Faz tempo que não sei o que é relaxamento, escova...
    viva aos nossos cabelos do jeito que eles são!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Minha linda! É disso que que tô falando!
    E que o mundo saiba!
    Deixo aqui um "salve" ao Augusto Boal por ter pensado na estética do oprimido, e à expressão livre da afirmação do que não é padrão!

    Deixo um salve aos nossos antepassados arrastados para dentro de enormes navios "que se agarravam à terra e a colocavam em punhados na boca, para que esta não ficasse para trás".

    É muita dor e muita honra. Viva a negritude! Vivam os índios! Os Latinos! Os orientais! Os brancos, por que não? Só não me venham enfiar em fôrmas! rs

    Viva a diversidade!

    te amo, preta!

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  7. Nossa, que texto mais lindo!
    Sensível e autêntico na mesma medida =}

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